As vezes a sensação é de estar oco, como se nada tivesse acontecendo ali, como se eles fossem membros fantasmas, ou invisíveis. Qual a diferença entre ser um fantasma e ser invisível? Ninguém daqui é realmente daqui. Somos todos estrangeiros, e passageiros também, mesmo que nos comportamos como habitantes natos. É, tem os que sabem bem que são passageiros, esses nem pintam as paredes de outras cores pois sabem que teriam que pintar novamente de branco quando fossem embora. Ir embora sempre é uma certeza, ou a única. A data ninguém sabe, a gente só sente quando chega a vez de ir comprar a passagem de volta para algum lugar ou a ida para um outro lugar.
Propositalmente, fiz uma bagunça na sala. Abri a tampa de tudo, espalhei os vasos de plantas, tirei as almofadas do sofá, e deixei tudo ali espalhado como uma instalação sem sentido que se vende por milhões no MOMA. Fui no sol dias seguidos na esperança de igualar as cores da pele, mas querendo mesmo que o sol me torna-se invisível, opaco, sempre tento me esconder em dia claro.
Na esperança de ficar invisível escondi o rosto, sai somente nos horários chaves, e voltei também em horários chaves. De quebra fui sortudo em de cara ganhar um grande espaço vazio só para mim, fiquei bem no centro, sentado de forma estratégica, até que pouco a pouco iam chegando cabeças brancas de gentes brancas e se instalando logo ai por perto. É como se cada um visse um lugar vazio pra se instalar. Mas de vazio em vazio cria-se uma multidão. Multidões brancas nada invisíveis!
Eu tenho pressa, muita pressa. como se o tempo fosse curto e eu só tivesse mais algumas horas para fazer tudo. O mundo parece ser pequeno e eu sinto como se precisa-se me esconder a cada instante. E tenho pressa, pressa de quem quer correr antes mesmo de ter apreendido a andar, mas que não corre pois o tempo é curto demais para falhar.
Tenho sede o tempo todo e tenho muita fome. Você não? Você enxerga isso?
Eu vi quando os olhos se fecharam para nós, quando ergueram dedos em riste. Eles geralmente ficam nervosos e se mostram cada vez mais ríspidos, valentes, se estremecem no menor sinal de nossos olhos e de nossas vozes. Eles fingem que são maiores toda vez que se sentem ameaçados. Eles ainda acham que podem atracar no porto, mas esse cais já está fechado a muito tempo, eles que ainda não perceberam e continuam a forçar a entrada. E nós, você vê? Você vê toda vez que nós sumimos no meio da multidão?
Estou vivendo três anos em três meses. Daqui ninguém me tira, ninguém me ergue, ninguém me dá energia. As casamatas são edificações construídas tanto como abrigos, para posicionamento de artilharia, como para guarda de armamento, e são utilizadas sobretudo em momentos que se faz necessário proteger-se na guerra. Nós sempre estivemos em guerra.
Eu não sou Miles Morales dessa cidade, eu não sou eu no fim do dia. Não há nada de revolucionário nas minhas cores pintadas em tecido de cola branca. Nada mais a acrescentar, calou-se em silêncio. Não há nada de revolucionário em minhas palavras.