Por vezes eu recebi mensagem de gente amiga dizendo que sonhou comigo. Entendi que estar no sonho das outras pessoas foi a forma que eu encontrei de me fazer presença com gente que tenho um carinho. Não vejo como uma invasão, não, mas como um encontro sem pretenção, expectativas e obrigações. Nunca sei o que dizer quando dizem que sonham comigo, então vou focar aqui nessa imagem, nos registros do Arquivo botaram apenas como título “Crianças na favela”, ela foi feita no Rio de Janeiro, RJ : [s.n.], provavelmente em 1961 (?), material em gelatina, p&b ; 11,8 x 18 cm. Se eu fizer um próximo filme essa imagem vai tá nele de alguma forma. [Quando escrevi essa última frase engoli a palavra “filme”, só percebi minutos depois, talvez isso seja um sinal].
Eu sonho a um tempo no dia que verei o livro de um grande amigo sendo vendido nas livrarias. Ele tem uma das escritas mais bonitas que eu já li. Escrever não é pra qualquer um não, tem gente que desceu na terra pra orquestrar as palavras. Tem também uma amiga, do qual tenho um carinho muito grande, que quando ela escreve eu preciso ler algumas vezes pra poder absorver – não porque ela tem uma escrita cabeçuda ou acadêmica, mas porque escreve como quem enxergar a vida com olhos atentos e ouvidos sinceros.
De um jeito ou outro, estou rodeado de gente que sabe colocar vida nas palavras sem precisar grande esforços, gente que sabe escrever não porque aprendeu, mas porque vive. Essas gentes que escreve sem precisar dos acontecimentos ou dos noticiários pra emitir opinião; que escreve como quem digita palavras faladas e sussurradas ao pé d’ouvido; que ver as palavras no ar e planta elas na terra.
Quando criança eu subi num gancho da parede da sala – desses que serve pra trancar a porta com um pedaço de madeira – pra armar minha rede e dormir. Não sei porque não subi numa cadeira, teria sido mais fácil, mas quando alcancei o armador da rede meu pé escorregou e eu cai, meu joelho rasgou nesse gancho de ferro. Na hora não chorei, mas no hospital lembro de ter sentido dor, apesar das duas anestesias, quando fizeram os quatro pontos da costura.
Minha irmã – ou uma prima – uma vez quando foi mexer na máquina de costura da nossa vó quebrou a agulha da máquina no próprio dedo, também não lembro se ela chorou, mas também deixou uma marca na pele assim como o gancho da parede deixou no meu joelho. Eu tenho tentado voltar pros meus horários de sono, mas tem sido difícil, também tenho tentado escrever sobre essa foto que encontrei no arquivo, e tem sido mais difícil ainda. Parece que o tempo faz isso com a gente, cê não acha?