em resposta as palavras de Polly, aqui
Daqui do sol de 36, do vento quente que vem do ventilador que tem trabalhado mais do que eu, falo tentando respirar. Escrevo desse sol de capricórnio que nos cobre a distância.
Desde sempre eu vejo sementes de falso pau-brasil, nem sabia que tinha esse nome até ler tu falando sobre ele. Desde criança eu achava que o pau-brasil tinha sido exterminado do mapa do país no período da colonização, achava que os portugueses tinham derrubado todas as árvores e não tinha sobrado um pé sequer de pé. Achava que eles tinha levado todos os pau-brasil dentro dos mesmo navios-tumbeiros que atravessávamos o Atlântico transportando sangue – tão vermelho quando a madeira, que tingiria as roupas dos europeus.
Quando cê me deu de presente uma semente de pau-brasil muita coisa caiu por terra porque parecia que eu estava recebendo um objeto arqueológico. Mas nem era – ou talvez seja. Entendo seu fascínio por coletar sementes, tanto como entendo o meu de querer fazer arqueologias. Ano passado passei em frente de um corredor de pau-brasil lá no campus da UFPB, em João Pessoa, e pensando agora, não acho que foi a primeira vez que vi um pau-brasil de perto, mas foi a primeira vez que vi sabendo que era pau-brasil.
Continuo achando que é dever de todo mundo derrubar a metrópole, a colônia, os navios, os barões e as baronesas, os coronéis, enfim… desmantelar é só o começo de um processo de desmonte colonial. Não tenho esperança alguma para com o mundo, os tiranos continuarão existindo, o poder sempre vai prevalecer, e mesmo que naves estranhas aterrizem na Terra, os novos que chegarem de fora seriam os novos tiranos, os novos colonizadores. Mas mesmo assim, eu acredito nas ideias para adiar o fim do mundo justamente por acreditar que há vida possível para a gente, porque no fim das contas, a vida é o que nos resta, e ninguém pode nos roubar o direito a vida em abundância. Direito a terra, a comida, a água.
Talvez eu enquanto eu escrevo isso eu tente me animar a escrever o que preciso escrever a semanas: mas só adio. Tenho tentado escrever para garantir o ano de 2020 – mesmo sem acreditar nessa convenção de tempo que nos ensinaram -, a minha impossibilidade de escrita é também a minha impossibilidade de comunicação, e como você mesma diz ˜escrever trata-se de um alívio comunicativo˜, e eu preciso me comunicar com quem acredita na terra, com quem vem da terra, com quem pisa no chão mesmo que ele esteja muito frio, com quem acredita em outros tempos mesmo que as horas não existam de fato.
Espero te visitar em breve, deitar no chão e dormir no meio da tarde. Talvez o clima aí esteja menos quente que o daqui. E por fim, pra mim, você é uma semente.
Com abraços.
Clébson.
Essa imagem faz parte de um processo que iniciei em 2018, nela, uma fotografia minha ainda criança é sobreposta a um dos desenhos de Reis Carvalho produzidas durante a expedição da Comissão Científica Exploratória, que no século XIX explorou o território do Ceará.