Não sinto vontade de abraçar a cidade. Tenho comigo um imenso sentimento de repulsa; talvez fuga, quem sabe… Sentir que você é constantemente repelido é uma sensação complexa e, ao mesmo tempo, solitária. E agora, em que devo cumprir a risca certos contratos já estabelecidos, certas dívidas a pagar, parece que a essa sensação de ser repelido é ativada constantemente a medida em que caminho por ai. Tu tem que ir embora mas tu não pode ir embora. Aqui não é teu lugar! Não tenho medo da cidade, nem desejo por ela. Talvez tenha aquela coisa de querer transformá-la em algo bom, sabe? Não ela por completo, isso seria impossível, e nem é minha obrigação. Sujeito às vezes acha que pode mudar o mundo, balela. Mas transformar a realidade de alguns, de um micro pedaço de cidade, de algumas gentes, da minha e da nossa gente, é um desejo de futuro-presente que me deixa acordado em sonhos.
Forró, eles dizem de raiz, toca em um bar de esquina aqui do lado. Gente bebendo, dançado e falando alto. Gente que escolhe a alegria uma única vez na semana, gente que elegeu o fim de semana para supor que a felicidade existe e que ela é obra de deus, e que a copa do mundo é a esperança que pode nos unir fraternalmente. Gente de uma fé não institucionalizada, fragmentada como o amor que tentam sentir.
Há semanas escrevo esse texto, espero por palavras que nunca chegam, desejo tempos e corpos que não são meus. Há semanas que esqueço de olhar na janela do quarto. Quando escrevi sobre esse tempo, de fato eram algumas semanas, hoje quando finalizo são meses. Quero outros problemas, sabe? Outras questões, outros BO pra resolver, outras pautas pra discutir. Quero outra rota, uma em que não seja preciso documentar, brigar, ostentar, apenas estar nela, viver nela, operar apesar dela. Quero estar longe e ter por perto quem esteve perto. Quero outros problemas e esquecer dos problemas antigos que nunca foram meus, mas que sempre estiveram ali para me atrapalhar.
Quero existir amontoado na dignidade, quero esquecer do cansaço que sinto daqueles que me atormentam, quero andar rápido simplesmente por gostar e não por estar atrasado. Quero poder ser cego sem precisar explicar meu histórico médico, quero não me estressar por besteira, quero dar um adeus sincero sem que isso vire uma treta de internet. Quero a gente articulando formas de vida e operando a vida sem se preocupar em ter nossos nomes na boca do sapo.
Quero que não me vejam como antagonista, que entendam que não brigamos pela última cadeira na dança das cadeiras, nem que só possa haver um de nós no topo, na representação. Quero que não haja representações, na própria contradição desse desejo, quero esquecer que posso representar alguém além de mim mesmo.
Minhas palavras já estavam prontas, deixei elas no rascunho por muito tempo. Acreditei que precisaria fazer algo a mais que pudesse dar conta do que estava devendo, do que estava sentindo. Mas o que existe é a gente adiando desejos, esquecendo vontades, perdendo o pique de energia a cada passo dado. O que tem sou eu fingindo estar bem e nós vigiados em sobreviver.
Quero abolir a linguagem, a métrica, mas não quero a desorganização, o caos, ou a bagunça. Quero a planilha do excel com os gastos organizados no verde, sabe?! Quero aprender a gramática!
Quero fugir contigo pro Japão, quero que você me diga que não quer ir, quero que você seja sincera e diga que eu errei. Quero emprego novo, adotar um cachorro, botar um canino de ouro na boca, tatuar na nuca o salmo 110, ah não, não, aqui é 220w!
Quero a benção de São Bento, a espada de Iansã me cortando o tempo. Quero desejo, gozo e reparação. Nove de janeiro, dia do fico e dia do meu nascimento. Não quero performar minha morte, quero imaginar a minha vida mesmo que seja impossível. Quero a sorte de um amor tranquilo, cantou a música. Lembrei dela enquanto sentia raiva!
Mas chega, dez meses depois, esse é o texto.






