Tem sempre uma música que toca na minha cabeça em momentos aleatórios; vem como uma melodia fraca, um zumbido cantado no ouvido. Não sei a letra exata, a pronúncia correta, muito menos, e nessas horas pouca importa a falta de proficiência em línguas estrangeiras. O pingo d’água que bate no metal, o bambu que enverga rufando troncos feito tiro, o tambor das árvores. A música começa num carro na estrada: eu não estou lá mas vejo de lá, vejo através dos seus olhos, sinto o suor que escorre de suas têmporas, o bafo quente e seco que entra pela janela e te faz tossir, igualmente, seco.
Gosto de prestar atenção, mais atenção, na última música de cada álbum que ponho pra ouvir. A última música é sempre o desejo de infinitude, de cair em silêncio, da anunciação de que não há mais nada a se fazer, da vontade de repetição. A última música é o esgotamento da criação, do amor, do tempo que foi desenhado ali, a última música é o beijo que eu te dou com o gosto da saudade que eu sei que terei quando eu for embora.
Eu tenho ido embora tanto, tenho me esvaído, diluído numa voz oca e engolida. Aqui não tem varanda para fazer aquela cena brega de filmes em que a personagem abre um vinho, bota um disco numa vitrola, luz amarela de abajur, plantas molhadas fora do horário, e uma cabeça martelando solidões e solitudes e faltas e vontades. No fim da tarde a gente quer o que a música proclama, a sorte de um amor tranquilo.
Não tem orvalho, não tem o mormaço de uma chuva fraca as dez da noite. Percebi que a cada dia estou cada vez mais incapaz de puxar assunto com pessoas que sei de nome em lugares que não conheço ninguém. Percebi que não sustento mais o peso do silêncio. Gosto muito da ideia do “se convide” ou o “auto convite”, ela quebra com essa coisa rígida de um convite que precisa ser agendado, marcado tal qual ida ao INSS, sem pretensão alguma, apenas um vamo ali, posso ir aí, coisa do tempo de quem olha sem pressa mas com saudade.
Mas vou fazer contigo a cena da varanda assistindo os prédios, contando quantas janelas e varandas tem a luz amarela e quantos ainda usam a luz branca de consultório odontológico. A gente percebe que é preciso diminuir o peso da mochila quando lembra que os nossos ombros não foram feitos para suportar o peso dos outros, apenas o nosso. Desmontar móveis, plantar mudas de babosa, lavar a louça, ligar o ventilador mesmo com vento forte que vem do leste e que varre pelos cômodos uma poeira fina, como nossos olhos que se olham feito poeira fina.
Tem sempre uma música que toca na minha cabeça e que me faz repousar, tirar a mochila, desarmar os ombros, esticar a coluna. Tem sempre uma saudade, um vento fino, uma vontade de não ir mas voltar. Aqui, daqui onde falo, espero sempre para estar na companhia do vento, do pólen do caju que se espalha no ar dessa cidade, do colo, da mão na nuca, do cheiro fraco e limpo. Vem sempre como uma melodia fraca, um zumbido cantado no pé d’ouvido, a música.





