SOBRE
isso é uma carta-fotografia. é uma tentativa de fazer um catálogo das janelas que eu encontro no mundo, por toda casa, lugar, espaço, mostrar onde visito ou por onde passo. é uma tentativa de falar sobre lembranças, sentimentos, e os significados poéticos que cada janela vem trazer. aqui terão fotos, vídeos, textos, terão coisas que não sei explicar, terão coisas que sobre eu, sobre a vida, você, eles, elas, sobre todos nós.
| Realizado entre julho e dezembro de 2015 nas cidades de Fortaleza, Pindoretama e Baturité.
JANELA 1 – Casa no Dom Lustosa, Fortaleza
Fortaleza, rua Macapá, Dom Lustosa. Quintal de uma casa grande, casa cheia de janelas, cheia de sol, casa de parentes de uma amiga, Andresa Santos. Essa casa foi locação do meu filme Borboleta Pulmão, gravei o vídeo durante o processo de filmagens do filme. o pé de acerola do vizinho invade o quintal, deixando cair de presente as frutas, as folhas, o verde.
Lembro da nostalgia que essa janela me deu, o silencio que deu na hora que comecei a gravar o vídeo, parecia que tinha esquecido que tava filmando um filme no cômodo ao lado, parecia que eu era uma criança visitando o interior da família.
Primeira janela. Primeira tentativa de catalogar essas tantas janelas que vejo por todo lugar que eu vou (e irei). Primeira vez que senti as janelas me puxando, se agarrando ao meu pescoço. Primeira vez que as telas viraram janelas, que janelas viraram quadros, televisões, celulares, telões, vídeo de internet, jornal, paredes. E que existam mais janelas para entrar nessa carta-fotografia.
JANELA 2 – Casa na Pindoretama
Durante aquela semana eu dormi no quarto que dava de frente pra piscina e pra entrada da casa distante. A cama de casal, que até aquele momento estava coberta com um saco plástico transparente por conta da poeira, besouros mortos, pedaços de teia de aranha. Tudo sai numa vassourada só. E saiu.
Apontei a câmera pequena pra janela, posicionada num tripé improvisado com cadeira, balde, livro. Eu só queria ver a piscina, as plantas ao redor, o papagaio de plástico dependurado no teto e outro numa árvore de médio porte. Não lembro de ter espirrado naquela cama, apesar de ainda haver poeira por perto. Mas lembro que prometi a mim mesmo não lembrar de ninguém enquanto estivesse naquela casa. Principalmente de você.
JANELA 3 – Casa na Pindoretama
Cortina verde. Janela de vidro. Do outro lado um muro pintado de branco. De trás do muro um terreno baldio. Na cabeça a sensação de:
por todo lugar que eu for, lembrarei vivamente do seu rosto
lembrarei que longe é um lugar onde eu quero estar,
é um lugar possível, necessário
é latente aos olhos do corpo
onde estou lembro a todo instante o que sou, o que era
como estou? como fui? como estarei? como quem?
afinal “tudo é relativo aos costumes do lugar”
tudo é agrado e conforto, só depende do gosto de cada um
tudo aqui (ou ali) é bom o suficiente para fazer de mim
um ser calmo, mais calmo que antes
é bom o suficiente para fazer esquecer de tudo, lembrar de tudo
tudo aqui vem com um vento forte e teimoso
esse ser que traz a todo instante a poeira de areia fina e branca,
as folhas secas, faz voar as latas vazias, apaga o incenso
///
esse lugar, aqui, que me faz dormir feito morto
esse lugar que me deu a sensação de estar amortecido e vivo
///
por todo canto que fujo eu lembro do seu rosto
ir embora é um estado que eu quero sentir
é latejante
JANELA 4 – Casa na Pindoretama
Canto dos ganços roucos. A casa ao lado é integrada a casa onde estamos, tem uma abertura no muro que permite que o seu António venha até aqui pra limpar a piscina, ele é o vizinho e também caseiro da casa.
Ganços cantam. Fiz um tripé novo, com cadeira, banco de plástico, caixa qualquer. Lá no fundo passou um carro no momento em que os ganças cantaram para a imagem, bem sabiam eles que estavam sendo filmados.
Próximo a Pindoretama tem a praia da Caponga, caminhamos 30 minutos até o ponto do ônibus, e levamos mais 30 minutos pra chegar na praia. Dois meses depois dessa viagem o Mike lança um álbum: Caponga Beach.
JANELA 5 – Casa no Pici, Fortaleza
Eu acredito mais do que tudo no poder da pulsação. No silêncio.
JANELA 6 – Casa em Baturité
Dessa varanda a gente via toda a Serra, aliás, de qualquer ponto da cidade dá pra ver a Serra pois ali é a Serra. O Maciço. O Baturité. Cidade natal da família materna. É impossível chegar naquela casa e não lembrar da tia Mazé
/// Imagino se agora, no momento em que deito na rede, todo torto, corpo fraco, caísse do céu uma asa de avião bem em cima do quarto. De certo que atingiria a casa toda, e pelo menos trinta casas, mas o foco aqui da tragédia sou eu, então ele atingiria meu quarto.
JANELA 7 – Casa no Pici, Fortaleza
Chovia, João bem novo chorava na sala por algum motivo, talvez fome, ou sono, ou querer peito, ou sem motivo algum. Eu estava filmando de dentro do quarto do João com a porta aberta apontando pra janela do corredor. Rômulo passou duas vezes na frente da câmera.
JANELA EXTRA – Dom Lustosa, Fortaleza.
Talvez eu sempre considere essas quatro fotografias como sendo as melhores fotografias que eu tenha feito na vida. Era final do terceiro dia de gravação do filme Borboleta Pulmão.