Palavras se esgotam antes mesmo de poderem serem vista. Ser vistas. Serem vista, serem vistas. Qual conjunção correta a se fazer segundo as normas técnicas de condução das palavras? Segundo a gramática, a ortografia, a linguística, estamos todos errados. Todes! Mas eu não escrevo para dar prazer e orgulho a quem me ensino as normas da língua colonial portuguesa, escrevo para mostrar que as palavras não seguem ordens estabelecidas, elas chegam feito anuncio sem aviso prévio.
Cena 1: escorregou na pedra lisa da cachoeira, ouviu o som distante de um pássaro que reconheceu não ser dali daquela região, percebeu que ou estava perdido, ou estava migrando e passou por ai no exato momento da queda. Cair é menos um descuido de um corpo, um exagero de percepção ou alteração corporal, e mais a força da gravidade que nos empurra até quando não precisaria. Cair também é empurrar o ar para cima, e o tempo para os lados.
O inverno geográfico começou no Hemisfério Sul no início da madrugada do último dia 21 de junho e se estende até o dia 22 de setembro próximo. Gosto de como as frases de notícia são construídas, as vezes parece querer contar uma história mais alongada mas são podadas pela edição para informar apenas o necessário, nos limites ficcional do que significa ser necessário. O processo de editoração é isso, montar narrativas, construir e desconstruir, demolir palavras. Mas hoje já não te trago mais notícias.
Cena 2: apagou todas as mensagens que trocavam, não por vergonha, mas para não sentir vontade. Hoje já não é necessário rasgar com as mãos cartas escritas, não há o desgaste físico do papel, há apenas teclas acionadas que executam um desaparecimento sem fim, sem retorno. Não há acumulo, não há o que jogar fora, apenas apagar do sistema.
Onde não há história, não há matéria. A narrativa é construída logo após a demolição. Haverá reunião de condomínio, haveria reunião de trabalho, haverá consulta médica. Haverá tempo hábil.
“O tempo corre”, disse a branca. Mas aqui, já não nos interesse o tempo branco.
Cena 15: não espere notícias por hoje.
Não pensei em comprar, não estava programado para tal. Mas eu comprei. Foi um ato instantâneo e espontâneo. Pensei em perguntar a moça que me atendia quanto custava, mas já não sabia mais quem era Edineide, e achei em seguida o preço meio escondido na parte de baixo dessa grande pilha de blocos de desenhos. Comprei também, junto ao bloco de desenho tamanho A3 e de cor amarelada, três lápis de desenho. Eu nem sei desenhar e nem gosto de, mas apesar de eu comprei.
Comprei sabendo que usarei no máximo três folhas, comprei sabendo que ficará guardado por alguns anos, assim como as outras resmas de folhas de desenho compradas antes. Onde não há história, não há matéria.
Cena penúltima: aqui onde o som de água sendo derramada da mangueira a quatro andares abaixo sobe feito labareda. Alguém que molha as plantas do jardim do condomínio, mesmo que chova pela madrugada, alguém que insistentemente molha as plantas mesmo que não seja necessário. Aqui onde o sol bate primeiro, onde é possível desaparecer, aqui onde caímos sem perceber e saltamos em silêncio. Aqui onde não tenho notícias para dar, onde espero sempre por notícias, aqui onde não tenho notícias para te dar, aqui onde encerro as palavras mesmo que ainda estejam incompletas.