(Ou como olhar para…)
Coloque coisas pra dentro da sua cabeça só até onde dá, só o que couber, mas também coloque aquilo que cê não entendeu ainda. O que vem no fluxo das palavras que chega como inexplicável, que parece ser inalcançável para o seu/meu raciocínio lento. O que vem, absorvo. Entra não porque capturei, entra porque foi possível entrar, e ficou; ficou ali no fundo guardado em silêncio, num ruído silencioso. Palavras movem de dentro, de fora, entre nós.
É noite no outro lado da rua (estrada). É a saudade do futuro que me faz estar aqui. Não quero neste momento reciclar minhas próprias palavras, deixa estar como estão lá atrás detrás de mim, quando puder eu me viro e olho para elas e tocarei elas com mais calma, sem precisar abrir os olhos para ler as palavras. Tento ficar calmo mas sinto que é justamente a calma exagerada, essa que me deixa sem reação, que me afeta mais do que a agitação.
Não gosto nem de parágrafos longos demais e nem dos curtos demais, também não gosto de uma única frase ocupando toda a extensão de um parágrafo de uma página inteira dividida em orações. Não sei lei códigos de programação ou fórmulas químicas. Gosto de maquetes, plantas baixas, site de aluguel de imóveis, mapas, nomes de ruas, imagens de satélites, conversar com gente desconhecida na parada de ônibus, vento nas costas, beijar no queixo.
Todo mundo tem direito à tristeza;
eu tenho direito ao silêncio.
Passo a perceber que não está sendo possível colocar palavras/textos para dentro pois não saíram o suficiente lá de dentro. É difícil tentar frear a máquina do esquecimento quando não se consegue agir rápido o suficiente, quando os olhos cansam rápidos demais, quando não há fôlego o suficiente, quando temos que negociar entre habitar terrenos áridos e viver no paradoxo de se utilizar das mesmas ferramentas que queremos combater.
Todo mundo dorme neste momento. Há um silêncio de começo de tarde aqui, barulho de ventiladores, aparelhos ar-condicionado, ventão que corre entre os blocos do condomínio, janelas que batem, vento que vem do leste. Criança chora rápido e já acalmou. Um senhor que limpa a caixa de coleta de fezes da gaiola dos pássaros. Um casal que disfarça os seus gemidos baixos e suas repetições sincronizadas com o jornal de 1h da tarde que passa na televisão. Há um cuidado de não serem ouvidos, de não serem visto e nem percebidos. Eu entendo esse cuidado, sempre tive que fazer dele meu lema silencioso de fuga.
Camas de alvenaria são sempre melhores, geralmente a gente vê elas em casas de praia, já vi na fazenda da ex-patroa de minha vó. Ela me levou lá quando eu era criança e ela já não era mais empregada da família, mas que gostava de visitar a comadre e as amigas que ainda serviam a família. Fomos direto pra cozinha, fiquei no quarto das empregadas a tarde toda. Olhei o sol pelas frestas da janela. Sai algumas vezes pra olhar de longe os bois no pasto, a piscina dos netos onde outras crianças brincavam, o campo de futebol onde jovens e homens jogavam bola. Depois voltava pro quarto atravessando uma varanda cheia de moscas.
Mas bom, camas de alvenaria são boas pois não fazem barulho quando nos movemos, nelas podemos balançar, empurrar, sacudir, sair e entrar, deixar que entre, movimentar… sem que precisemos encobrir o som dos nossos movimentos. Naquela tarde não tinha música nem merenda da tarde. Tinha só um menino que não sabia porque estava ali, naquela fazenda, numa longa espera pela hora de ir embora. Até hoje parece que espero por algo… quando abro o mesmo site que reúne na mesma página as principais notícias dos principais jornais e sites do país, espero por uma anunciação, um chamado.
Fui para outro lugar, mudei de assunto.
Queria te ver, só hoje, agora.
Uma notícia.
Preciso voltar, preciso dizer que talvez não precisemos nos comunicar, mas que talvez seja justamente a falta de comunicação que nos trouxe aqui pra esse estado de isolamento incontornável, de ruído entre nós, entre os nossos. Uma crise que se instaurou e nos fez esquecer uns dos outros. E como se comunicar se não sabemos como fazer? Se faltam palavras, falta fôlego, falta cabeça? Cê pode até tentar esquecer, deixar pra lá, passar pro próximo trabalho e pra próxima equipe de trabalho, mas esquecer não significa que a coisa se resolveu, apenas que cê a deixou de lado.
O fato é que preciso aprender que, muitas vezes, é preciso abandonar a pressa do futuro, a pressa de ver na nossa frente o tempo do futuro. É preciso sentir os segundos que estão acontecendo no agora, sentir os segundos que estão ao redor do próprio corpo, os segundos que voam sobre nós e deixa sua marca aqui na gente. Essa palavra “preciso” tem um ar de precisão, de acertar algo, certo, exato, definido, prático. Mas é o “preciso” de necessidade básica, de algo que é necessário, mas também, errático, algo que faço sem saber como fazer, que faço sem olhar como, mas que sinto. Não vejo, mas sinto.
Um absoluto rigor: “preciso” também diz sobre isso, segundo os dicionários, mas nada aqui é absoluto, nada tem rigor, chicote que conduza a manada ou legislação que acerte as condutas internas de cada um. Hoje esqueci do tempo cronológico que tanto me dava cansaço, esqueci e me permitir ser esquecido, esquecido e fui me esquecendo. Esquecer é bom, faz parte. Agora, sentindo os segundos ao meu redor, me permito esquecer, ser esquecido, e ser apenas o agora. Hoje. Esse instante. Instante passageiro, impermanente. E a única coisa que não poderei esquecer é justamente a impermanência. Mas isso já é papo pra outra conversa.