Dia 1.
Percebeu que consegue olhar diretamente pro sol tapando o olho esquerdo e deixando o direito aberto sem se queimar. Percebeu também que engabelou o próprio cronograma semanal e, pela primeira vez, não teve nem pressa, nem calma, teve somente uma inércia tão grande que parecia doença de rico.
Nesse mesmo dia lembrou das promessas que leu de alguém um tempo atrás e ficou se perguntando porque lembra de coisas que já tinha se esquecido, coisas que já tinha deixado pelo caminho como quem joga uma chave no lixo. Percebeu então que a lembrança, e não a memória, a lembrança mesmo é quem fica nos tirando a pagode.
Chove ali do outro lado da estrada, na outra ponta da chegada e da partida. Lembrou daquela viagem que vez, da vontade que teve, do que imaginou na chegada, sentiu mais uma vez essa película invisível que cobria seu corpo todo de cabo a rabo e que fazia com que ficasse entre a solidão, o desejo e a paralisia. Lembrou das coisas que ainda o torna vazio.
Dia 2.
Aqui vestiu-se bem pra cortar o cabelo, parecia que agora ia, agora tomaria ar pro resto da semana, mas toda sua energia se acabou depois do almoço e o chão da sala não tava limpo para que pudesse se deitar com a barriga no chão. Quando chegou tomou banhou, pode sentir pela primeira vez em anos o próprio casco e pode bagunçar a cabeça sem bagunçar o cabelo. É isso, tem dias do sim, tem dias do não, e tem dias que nem o talvez dá conta.
“O pensamento parece uma coisa à toa, mas como a gente voa quando começa a pensar”, diz a música. Nesse dia parecia que o pensamento não fixava em nada, nem nas lembranças, nem no agora, nem no cronograma do mês, nem nas demandas do chefe, nem nos relatórios pendentes. Parecia preguiça, mas também parecia apatia. Mas na cabeça era doença de branco mesmo.
Doença de branco é tudo que nos paralisa, que nos impede a caminhando, o movimento, o fluxo, o desaguar. Doença de branco não é nem doença não, doença mesmo tem cura, doença de branco é como uma praga que se alastra sem nem a gente perceber e tal hora não tem nem mais controle e é preciso cortar do tronco. O que sobra é só o toco e depois mais tempo ainda pra ver crescer a vida de novo.
Dia 19.
Nada aconteceu de interessante nos dias que antecederam esse dia.
Aqui houve uma espera longa sentado na portaria esperando uma entrega, uma espera inútil. No fim das contas percebeu que não era a rotina que deixava nesse estado de cansaço e fadiga infinita, mas essa película invisível que insistia em fixasse em todo seu corpo, que não adiantava que tipo de banho tomasse ela permanecia ali. Nessa raiva que vinha por causa da apatia e da inércia foi que percebeu porque o chuveiro derramava pouca água: tinha ar acumulado dentro do chuveiro e o ar impedia a passagem da água.
Qualquer um usaria isso como uma alegoria pra explicar a vida, mas não, já não tinha mais saco para explicações com base em metáforas ou lição de moral e ética. Chuveiro é chuveiro, água tava presa pelo ar. E ainda tinha essa película invisível ali lhe moendo o juízo, distraindo o corpo, dando uns fasti, umas gasturas, umas impaciência.

Dia 28.
(não há ordem específica, nem precisa terminar um para iniciar outro, dá pra ouvir de forma simultânea, ouça como quiser}
Dia 30.

Dia 32.
Esse parecia o mais longo de todos os dias. Tapou um dos olhos e foi dormi no sofá, mesmo que o chão tivesse sido limpo no dia anterior. Acordou com uma saudade de quem ainda nem conheceu. Por enquanto espera tempo bom, tempo da chuva, do respiro, tempo que estará livre dessa película insolúvel que teima em lhe prender.