Eu tenho tatuado no braço esquerdo o mapa do Ceará, cês acham que eu sou idiota?
Já apanhei de espada de São Jorge quando não quis fazer o dever de casa. Cês acham que cresci burro? Estudei em escola pública católica, fazia fila pra tudo, sentava no chão pra rezar a Nossa Senhora e agradecer por tá vivo. Chorei quando a diretora morreu e bati palmas por dez minutos vendo o caixão dela entrar pelo estacionamento da escola.
Estudei, pude estudar. Vi mãe voltar para a escola e fazer todo o ensino médio depois de mais de 15 anos parada, com as três crias crescidas e uma delas na faculdade. Sou filho da Cineide, neto da Lucimar. Tenho uma foto 3×4 de uns 50 anos atrás do meu bisavó materno. De herança de família só tenho mesmo é predisposição a doenças que a gente só cura na fé e no médico.
Tenho um corpo magro, fraco, desproporcional, não tenho força alguma. Não posso levantar cimento nas costas, tenho a lombar fudida. Vivo num setembro amarelo já faz um tempo. Amarelo-queimado, com três flores, uma azul, outra lilás e outra rosa. Faço com elas uma bandeira no braço direito, um filme, uma nota de rodapé.
Tatuei no mesmo braço esquerdo a espada de São Jorge, lança de Santa Bárbara e os olhos de Santa Luzia, a mesma lá da igreja de Baturité. Falando em olhos, sou quase cego do direito, e cês acham que eu sou idiota e que não vejo o mundo? Essas plantas nunca faltaram aqui em casa. Afinal de contas, comigo-ninguém-pode me protege desde de sempre. Aliás, nos protege aqui na casa 70 da Travessa Santiago.
Engulo o choro sempre que é preciso, e cada vez mais me pareço com mãe por causa disso. Mas não, não sou idiota. Já gostei de alguns e algumas, e fingi que não. E sei quando baixar a bola e aquietar o facho.
Não sou idiota, não. Não venha baldear minha vivência, seja lá quem for você, que de dor e de moléstia, eu já tenho demais.
“Você ganhou o jogo de hoje, mas, amanhã eu vou mostrar com quantos paus se faz uma jangada!”. E vou cobrar os juros.